sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Carga e descarga

Reprodução de um texto de Fraga publicado no site da Coletiva

Como se mede a potência destrutiva da opinião – escrita ou desenhada – de um humorista? Quantos gumes ou megatons tem uma charge? Qual o calibre de um aforismo? Quão afiado pode ser um chiste e quão profunda é a sua incisão? Quantas ogivas carrega um deboche? Quão letal pode ser um cartum? Qual o alcance terra-mar-e-ar de uma piada? Quanta ferocidade contém um texto ferino? Quais as armas químicas e tóxicas num argumento venenoso?
Enfim: quão mortal é o arsenal de imagens e palavras de chargistas, cartunistas, quadrinistas, cronistas de humor, palhaços do traço, cômicos das tintas, comediantes dos balões, clowns das legendas, bobos da corte da mídia, esse exército em exercício por liberdades em trincheiras impressas e eletrônicas?
Toda opinião humorística – a bem pensada ou até mesmo a mal proferida – pode (e deve!) contrariar, desagradar, incomodar, provocar, intrigar, instigar. Se chegar a doer e ofender, são dois sinais: ou de exagero na contundência ou de excesso na suscetibilidade. Com ambos dá pra conviver, seguir a lida crítica adiante e a vida criticada em frente. Com tanques e mísseis, não dá. Muito melhor derramar rios de nanquim que de sangue.
Os mapas geopolíticos não são feitos com aquarela, nem suas fronteiras em pastel oleoso, embora não falte oleosidade na questão. Nesses cenários de mal-disfarçados interesses, esses mapas são manchados e rasgados em nome de causas para perpetuar antigos beneficiários ou os sucessores da ambição local.
Quando um chargista ou cartunista opina sobre tais barris de pólvora, por maior que seja seu extremismo numa folha de jornal ou página de revista, os piores danos não incluem o que ocorre quando os verdadeiros extremistas opinam à sua maneira sobre a diversidade política. Quando um desenhista desenha não surgem corpos dilacerados, destruição de cidades, invasões territoriais. Se atingidas, as vítimas da mais fina ironia verbal ou da sutileza gráfica são sempre, e apenas, as imagens dos poderosos. Que se mantêm de pé apesar do incessante e certeiro bombardeio de caricaturas. Não superestimem soldados de penas ao ombro.
Quanto ao uso da religião para calar artistas, é um pretexto tão ou mais perigoso que qualquer arsenal real. É o estopim que detona a maior das bombas que a humanidade já criou, o fanatismo. Contra ele, qual a defesa? Contra ele, melhor contra-atacar com o riso. Só pra tentar interferir no meio. E a interferência mais oportuna, agora, é: fé para lá, arte para cá. Subordinar a arte (e a liberdade de expressão) a quaisquer deuses tem sido a artimanha de todos os obscurantistas. E convém lembrar, não como defesa dos chargistas, mas como ênfase na característica fundamental do seu trabalho: não existe charge a favor.